Eu provoquei numa reunião de preparação para a crisma a seguinte questão: haverá alguma alma humana no inferno? Porque sua existência é dogma de fé; a do diabo, idem.
Mas será que tem algum humano no inferno?
Por que levantar essa questão cuja resposta eu já antecipo: não se tem certeza de que não haja ninguém mas também não se tem certeza de que haja!?
Tudo isso começa porque a gente vê que Deus tem uma infinita misericórdia. E é com ela que estamos lidando. Mas também com a Sua justiça.
Há posições de teólogos e de santos que mencionam que a máxima misericórdia acaba se aproximando da justiça. quer dizer a justiça tem que ser integrante da Misericórdia.
Estou falando do ponto de vista divino. não falo aqui de modo nenhum da legislação humana, das leis humanas. Elas definem o que querem. A pessoa é culpada conforme aquela lei (pode ser até uma lei positiva: excedeu gravemente um limite de velocidade). Pode ir presa, vai a júri conforme o caso...
Uma pequena digressão. Há um famoso juiz americano, Frank Caprio, da cidade de Providence, que usa de misericórdia até no pagamento de multas na área de Trânsito. Ouve a pessoa. Acrescenta circunstâncias externas até de se a pessoa serviu ao país etc. E tem um fundo financeiro vindo de pessoas que apreciam sua atitude, que é para ser usado quando a multa tem de ser cobrada e ele vê que a pessoa não tem condição!
Mas não se trata disso. Aqui estou falando do catolicismo e da Misericórdia infinita de Deus. Mas esta história começa com a preferência do foco na justiça divina e não em sua misericórdia. Isto por causa da dureza dos corações daqueles povos, incluindo o povo hebreu.
No Antigo Testamento se vê claramente enunciado o princípio moralmente correto de “olho por olho, dente por dente.” Pune o criminoso de forma proporcional ao crime cometido.
Era vivenciado e aceito e por todos da época, apesar dos riscos inerentes do exagero. “Quero dois dentes por um dente.” É da psicologia humana, a vingança. Esta lei, a pena de talião, vai não só no trato, digamos, pessoal, individual. Basta ver que se algum povo encrencasse com os israelitas, na maioria das vezes vinha a ira de Deus para pagar aquilo ali, dizimando o inimigo. Muito mais do que olho por olho... Por exemplo, quando os israelitas passaram pelo Mar Vermelho a pé enxuto, quando os egípcios foram passar, o mar se fechou, e morreram cavalos e cavaleiros. Quer dizer, matou toda a turma e até os cavalos. Soldados que cumpriam sua obrigação... Outra foi na Páscoa, com a matança de todos os primogênitos em casas que não tivessem o sangue do cordeiro na porta.
Aí veio o próprio Deus, Jesus Cristo, incarnando-se e iniciando o Novo Testamento. Com uma reviravolta espetacular nesta questão. Agora eram apenas dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo!
Mais adiante Jesus aperta os parafusos e define: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo COMO EU AMEI.
Se o primeiro caso já era difícil, este segundo é quase impossível. Só não o é porque Jesus prometeu sua graça para que o cumpramos. Entra aí a palavra PERDÃO. Que pedimos ao Pai em sua oração! Condicionado ao fato de perdoarmos os outros.
A psicologia humana é dura para isso. Mas a graça divina faz a parte dela se a aceitarmos.
Acabamos resumindo nosso dever em amar o pecador mas detestar seu pecado.
Então reparem que este “amar o inimigo” já traz embutida a misericórdia. Igual ao amor de Jesus. Uma misericórdia, um amor, um perdão que vai até a morte e morte de cruz!
É uma meta fantástica e muito difícil, mas é a nossa meta! então a gente como como cristãos, católicos, no nosso comportamento diário, o que a gente quer é se aproximar desse amor.
agora eu pergunto aqui entre nós, quem é que de verdade pode dizer, perante Deus, que tem esse amor sempre, que nunca detestou um inimigo, nunca negou um perdão, ou negou, mas, no fundo, ficou rancor! Até como vemos governantes que não nos parecem honestos... E soma-se a Maledicência. Falar mal do outro, tudo isso é pecado, são formas de desamor. Não parece ser como Cristo amou!
No Novo Testamento várias vezes está dito que Jesus não julga ninguém, Deus não julga ninguém. É a pessoa que vai se auto julgar, quando no juízo particular e depois no Final.
Nossa fé nos diz que nós não temos que julgar o próximo, nem quando ele está vivo, nem quando ele morreu. A gente não julga o próximo.
Então esse é para mim o primeiro ponto.
Vou abrir aqui um pouquinho o lado histórico. A Igreja, com passar do tempo, tem refletido sobre as situações do mundo em volta. Então qual foi a ênfase dada nos primeiros 1500 anos de sua existência, com maior ou menor intensidade?
Era exatamente a questão da justiça divina. Basta ver que Santo Agostinho, que é lá do ano 400, acha que quem vai pro inferno é uma multidão! Uma minoria seria salva por Deus. Apesar de não haver dogma que baseasse sua opinião.
Passa-se o tempo e lá em 1200 vem São Tomás de Aquino. Claro que examina, na questão da justiça divina, sua relação com a misericórdia. Mas chega a dizer que um dos prazeres das pessoas que estão no Céu, as que foram salvas, é ficar olhando pro inferno e apreciando o que seria a “justiça divina”.
Ficar vendo as almas sofrendo lá é um ponto de vista, está bom, mas não me parece nada misericordioso. E eu teria mais o que fazer no Céu do que ficar olhando pros outros sofrendo no inferno.
Disse isso para a gente ver como eram essas reflexões então!
O mundo vai mudando, a Igreja reflete. Vê que a prioridade pode perfeitamente sair da justiça e ir para a misericórdia, amplamente demonstrada por Jesus.
Começou com João Paulo primeiro, pelo segundo, teve o Vaticano segundo com o mesmo foco. Grande reforço com o Papa Bento 16. Porque foi um teólogo de primeira, de cunho até mais conservador, mas com as reflexões de Von Balthasar, intensifica a visão da misericórdia.
Papa Francisco então claramente vem com toda sua força cristã e desde o primeiro dia quer focar a igreja na Misericórdia Infinita de Deus.
Ele quer que a face de Deus mostrada pela igreja seja uma Face benigna, uma Face misericordiosa, que Deus acompanha o pecador até o fim. O que ele quer fazer no fundo é uma mudança do éthos. O éthos vigente até então era o do legalismo.
Então é para dialogar. ele não quer mudar Dogma nenhum. ele já falou que não é para mudar Dogma nenhum. O que ele pede é justamente para mudar essa maneira pastoral de acesso! Senão até gera nos católicos a atitude pecaminosa de se parecer com aquele fariseu do templo. Puxa! Fiz tantos sacrifícios, jejuei, tive uma doença que ofereci a Deus e agora vejo um camarada que só fez besteira, até crimes e vai para o mesmo Céu que eu!? Que vá para o inferno!
Ora se eu sou coerente com a minha oração e se eu sou coerente com a misericórdia divina eu na verdade gostaria de que não tivesse ninguém no inferno. Deus veio, Cristo veio para salvar todos!
Imagine que ele consiga isso, salvar todos! que beleza, que realização Divina.Deus veio para salvar todos.
Mas para que meu ponto de vista não apresente furos tenho de abordar umas situações importantes que parecem levar à certeza da existência de almas no Inferno.
Porque o que eu estou postulando aqui é que a que a nossa atitude de católicos seja a de torcer para que não tenha ninguém lá, portanto aceitar que é possível que não tenha ninguém!
Ora vemos aqui uma aparente objeção. E muito séria.
Maria Santíssima, nossa mãe, apareceu em vários lugares e de maneira muito clara, tanto que a igreja as entende como autênticas. E nelas Nossa Senhora mostrou às crianças cenas de um inferno horroroso, inferno cheio de gente.
O que eu posso dizer é que a Revelação oficial de Jesus terminou com a morte do último apóstolo. O que sair disto não é de obrigação como verdade de Fé. A não ser que tenha virado dogma pela análise mais aprofundada da doutrina apostólica, da interpretação do texto bíblico. o que não é o caso.
Evidentemente Nossa Senhora poderia usar a mesma linguagem hiperbólica que foi usada nos Evangelhos, para chamar a atenção das pessoas e salvá-las! Até pode ser que aquelas cenas tenham evitado de alguns de fato irem ao Inferno!!
O que vemos na Bíblia são hipérboles, exageros. Basta lermos vários trechos do próprio Novo Testamento que a gente vê coisas impossíveis ou incoerentes mas diante do que estava sendo transmitido, não tem nada de incoerente. Aprofundando isto e mais a Tradição com T maiúsculo, os teólogos, os bispos e o Papa podem proclamar novos dogmas, por exemplo, o da Imaculada Conceição. Que foi proclamado por Pio nono em 1854.
A Igreja pode ter tido bons católicos pelo medo do inferno mas isso foi uma época. a Igreja hoje quer atrair não pelo medo do inferno, a igreja hoje deve atrair pelo rosto de Deus a quem ela representa. o rosto de Deus misericordioso que quer acolher o pecador. Não está nos Evangelhos que o Bom Pastor larga as 99 ovelhas no campo e vai buscar aquela uma que se desgarrou? Este Bom Pastor era o mesmo Jesus que de uma certa maneira foi contra a lei de Moisés por que, quando um grupo de gente com pedras nas mãos trouxeram de forma humilhante e escandalosa uma adúltera. Aquela gente boa estava pronta para seguir a Lei e apedrejar a mulher. Queriam era criar contradição em Jesus, porque a Lei mandava que fosse apedrejada.
Cristo continuou lá escrevendo na areia e parou de repente. Disse: venham cá. quem tiver sem pecado jogue a primeira pedra! Clara ação de misericórdia, sem ter ido contra a lei!
Então, finalizando, eu espero que Deus consiga salvar todos os homens e mulheres e não me interessa saber como.
eu vou continuar rezando para isso, vou continuar rezando para que isso realmente aconteça, uma oração sem ressalvas e com certeza me incluindo nela. Quem garante que eu seja santo? todos somos pecadores, só quem não teve o pecado original foram Jesus e sua mãe, Maria!
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