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Matrimônio - Sacramento - Crise - Nulidade.

  • murdochwilliam28
  • Dec 6, 2024
  • 4 min read

Homilia do Padre Pedro Guimarães Ferreira S.J.


 

Temos aí no­vamente uma doutrina difícil para muitos de nossos contemporâneos, a indissolubilidade do matrimônio. O matrimônio tem na doutrina cristã um status muito elevado, o de Sacramento, um dos sete Sacramentos. O Sacramento é, por defini­ção, um “sinal sensível da graça”. Sinal sensível de quê, no caso do matrimônio? Da união de Cristo com a Igreja, de acordo com a doutrina expressa por São Pau­lo na carta aos Efésios.

 Este é um fundamento elevado da indissolubilidade do matrimônio. Mas, independentemente desta doutrina paulina, temos o “O que Deus uniu, o homem não separe”, palavra que vem no livro do Gênesis e repetida por Jesus num trecho do evangelho. Todos nós, com efeito, temos parentes, amigos e conhecidos, cujos casamentos se esfacelaram e que se uniram de novo a outra pessoa. Que é que posso e devo dizer daqui do altar? Em primeiro lugar, tenho que me conformar com aquilo que é doutrina de Cristo. Como temos no Evangelho, não há assimetria, apesar do machismo completamente dominante nas sociedades de então, ou seja, a indissolubilidade vale tanto para o homem como para a mulher.



A respeito de casamentos na Igreja, é bom lembrar que há uma série de con­dições para que ele seja válido. Os noivos diante do altar, com todas as testemunhas, podem realizar uma cerimônia que não tenha valor de vínculo matrimo­nial se alguma das condições necessárias não for satisfeita.

 Assim, por exemplo, o desconhecimento essencial de um cônjuge por parte do outro, torna inválido o matrimônio, ou seja, se um dos cônjuges não sabe que a pessoa com que ele(a) se casa não é o que pensa que seja, apresentando uma diferença importante na personalidade.

Outra causa de invalidez matrimonial é se um dos cônjuges se propõe, mesmo secretamente, a não cumprir com uma das finalidades essenciais do mesmo, por exemplo, evitando sistematicamente a geração de filho, ou sem a intenção de que o casamento seja indissolúvel. Este último caso é bem comum hoje em dia, conforme aquela ideia do Vinícius de Moraes, “o amor é eterno en­quanto dura”.

Um outro caso de invalidez do vínculo matrimonial, mais conhe­cido mas bem mais raro, é a impotência para realizar o ato conjugal. A esterilidade, porém, não torna nulo o casamento.



Sobre tudo isso o Padre Jesus Hortal escreveu um livro pequeno, mas completo. E ele afirma, com a experiência que tem há muitos anos em tribunais eclesiásticos, que é muito grande atualmente o número de casamentos católicos que de fato não existiram, isto é, foram nulos, apesar do papel passado, das testemunhas, da cerimônia religiosa, etc.

Nestes casos fica o problema de fazer reconhecer pelo tribunal eclesiástico este estado de coisas e consequente declaração de nulidade do casamento, o que em muitos casos não é nada fácil. (Na Igreja não existe anu­lação de casamento ou divórcio, o que existe é declaração de nulidade, ou seja, o tribunal eclesiástico declara que aquele casamento foi desde o princípio inváli­do, isto é, não existiu.)

Caso mais complicado é aquele em que o casamento foi válido, e portanto não pode ser declarado nulo. Acontece que as pessoas mudam, e às vezes mu­dam muito com o passar do tempo. Então, como é que ficam os casamentos em que um dos cônjuges mudou tanto a ponto de tornar a vida conjugal um “in­ferno” para um dos cônjuges e, em alguns casos, para os dois?



 Nestes casos a própria Igreja recomenda a separação (desquite). Mas o divórcio, isto é, a anu­lação do casamento, não existe na Igreja. E aí a solução pode ser heróica e o é para muitos: o permanecer só. Se a pessoa tem fé robusta, isto é possível, e não são poucos os casos que confirmam o que estou dizendo: a graça de Deus, este­jamos certos, conforta tais pessoas.

Mas se a pessoa já tem uma nova relação, há que considerar que Deus tem seus caminhos. Podemos fazer uma analogia aqui com a questão da salvação: durante séculos na Igreja o princípio “extra eclésiam núlla sálus”, que quer dizer: fora da Igreja não há salvação, foi interpretado ao pé da le­tra. O progresso teológico levou ao desenvolvimento da doutrina, de modo que hoje em dia a interpretação estrita foi substituída pela doutrina que se tornou co­mum, segundo a qual as pessoas que nunca ouviram falar do Evangelho, mas que vivem de acordo com a própria consciência, serão salvas.

Deus tem outros cami­nhos, além da pertença à Igreja visível, para executar sua vontade de querer que “todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”. No caso presente, dos casamentos, creio que se pode dizer que tendo em vis­ta que ninguém pode ser provado acima de suas forças, deve haver uma manei­ra de Deus, na sua misericórdia, resolver este tipo de problema que se multiplica na sociedade. Por outras palavras, existe a visibilidade da Igreja com seus ritos e normas, mas a possibilidade de salvação das pessoas vai além disto. De qualquer forma, aqueles que vivem condição conjugal “fora dos quadros” não deveria se afastar da igreja, que é sempre a continuação de Cristo na terra, mesmo com to­das as suas deficiências.

Outra é a situação de pessoas que se casam e separam de modo leviano, irresponsável. Mas também nestes casos não há que desesperar da misericór­dia divina; há tipicamente muita ignorância, e como dizia o Padre Leme Lopes, a ignorância é o “oitavo sacramento”. Finalmente, nunca nos esqueçamos do que disse Jesus do alto da cruz: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”.

 
 
 

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